Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Olhando o mar,
sonho sem ter de quê.
Nada no mar,
salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada
ver quanto a alma sonha!
De que me
servem a verdade e a fé?
Ver claro!
Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em
estradas ou sob ramos,
Temos esta
certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e
sonhamos e sonhamos.
As árvores
longínquas da floresta
Parecem, por
longínquas, estar em festa.
Quanto acontece
porque se não vê!
Mas do que há
ou não há o mesmo resta.
Se tive amores?
Já não sei se os tive.
Quem ontem fui
já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo
é líquido e embriaga,
E a vida morre
enquanto o ser revive.
Colhes rosas?
Que colhes, se hão-de ser
Motivos
coloridos de morrer?
Mas colhe
rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e
tudo é deixar de o haver?
20-1-1933
Fernando Pessoa. Novas
Poesias Inéditas.
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