sábado, 9 de fevereiro de 2013

H._10.º_n.º 15







Poeta castrado, não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Ary dos Santos  
Trabalho - aqui

1 comentário:

prof.ª eli disse...

A poesia do Ary dos Santos tinha, sob a sua retumbância, um travo de menino triste que andava a pedir amor a toda a gente e que se enraivecia quando lho negavam. E esta raiva era legítima porque ele, como a sua poesia, era todo dádiva. Um vulcão de afectividade. […]
Mas ele tinha impaciência de se dar às multidões em poesia.
Natália Correia, de “Ary: um poeta da comoção até ao grito”, A Estrela de cada um
(querendo, pode ler o resto do texto na Biblioteca da António Arroio)
Beijinho,
Prof.ª eli